
Kazuya Tsurumaki atuou como braço direito de Hideaki Anno como vice-diretor da série de TV “Evangelion”, onde teve um papel particularmente ativo nos cenários de ficção científica. Tsurumaki também participou como diretor de produção e arte e assistente de cenário em vários episódios.
Seu trabalho representativo como animador é “Fushigi no Umi no Nadia (Nadia – The Secret of Blue Water)”. Ele estreou como produtor em na versão cinematográfica de Nadia e como diretor em “Gunbuster! Shinkagaku Kouza”.
A entrevista abaixo foi publicada em 1997 no Theatrical Program Book de The End of Evangelion (conhecido também por Red Cross Book), vendido nos cinemas em que o filme estava sendo exibido.
— Então, “Neon Genesis Evangelion” está finalmente completo. Por que você decidiram concluir a série na forma de um filme?
KT – Sim, finalmente acabou. Sinceramente, acho que teria sido melhor terminar simplesmente com a série de TV. Falando francamente, acho que tudo depois disso foi um trabalho desnecessário, embora eu ache que normalmente uma pessoa deveria se sentir feliz por ter seu trabalho transformado em filme.
— Você acha que o tempo que você dedicou ao projeto se refletiu no grau de conclusão do trabalho finalizado?
KT – Eu me pergunto: …. Quero dizer, certamente tivemos tempo suficiente, mas a elevação psicológica que senti durante a série de TV simplesmente não voltou para mim. Desculpe-me por parecer tão retrógrado, mas é que a sensação de tensão durante a série de TV foi provavelmente a melhor de minha vida.
— O que você quer dizer com “sensação de tensão”?
KT – A sensação foi muito boa no final, depois de terminar o trabalho do episódio 16 e, especialmente, do episódio 20 em diante. É claro que, fisicamente, eu estava muito cansado, mas minha mente ainda estava afiada como uma faca. Senti que estava utilizando minhas habilidades naturais em seu potencial máximo.
— O episódio 16 causou uma grande impressão e pareceu marcar um ponto de virada para Evangelion.
KT – Isso porque foi o primeiro episódio em que apareceu a direção de desenhar de dentro para fora.1
— Você planejou o episódio para retratar os sentimentos íntimos de Shinji desde o início?
KT – Não. Esse episódio foi situado próximo aos episódios 10, 11 e 12, e originalmente era apenas mais um episódio em que um anjo aparecia. No entanto, em meio ao fluxo dos mistérios que envolviam os anjos sendo gradualmente resolvidos, decidimos inserir um episódio em que um anjo parecia se interessar por humanos.
— Entendo.
KT – O primeiro rascunho do cenário era, na verdade, um diálogo entre Shinji e o Anjo. No entanto, achamos que seria muito anticlímax ter um Anjo começando a falar como um alienígena de ficção pulp (fala enquanto bate no pomo de Adão com a mão) “Seu modo analógico de pensamento está incorreto”. Então, tivemos a ideia de fato usada nesse episódio, que era fazer com que Shinji conversasse consigo mesmo.
— Havia uma frase nesse diálogo, algo como: “Não podemos tecer nossas vidas apenas com coisas que gostamos…”. Essa frase foi bastante intensa. Eu teria pensado que ela atingiria diretamente o coração dos fãs de anime, mas quase não houve reação de ninguém. (risos)
KT – Bem, a maioria das pessoas não presta muita atenção ao diálogo quando assiste a um anime de TV. Ou seja, ouvimos as palavras, mas elas não entram em nossas mentes. Eu também sou assim. Hideaki Anno entende isso e começou a incorporar expressões que transmitem a mensagem aos espectadores de forma mais direta. Assim, os elementos que tentavam, de alguma forma, transmitir a mensagem dentro dos limites da história foram diminuindo gradualmente, e as expressões mais introspectivas ou emocionalmente expressivas se tornaram mais frequentes.
— Até aquele momento, você havia tentado expressar o tema por meio do que estava acontecendo com Shinji, mas depois a mensagem se tornou mais direta.
KT – Quase ao mesmo tempo em que estávamos fazendo o episódio 16, Hideaki Anno estava trabalhando no episódio 14, que tem aquele monólogo em forma de poema de Rei Ayanami. Foi provavelmente nessa época que começamos a ver a direção de “Eva” – que estávamos caminhando para esse tipo de história introspectiva. É por isso que fizemos a Parte A do episódio 16 como uma história normal. Nesse sentido, o limite entre as partes A e B do episódio 16 pode ser considerado a linha divisória entre a frente e o verso de “Evangelion”.2
— O que você achou dos acontecimentos durante a segunda metade da série de TV?
KT – Não me importei com isso. O cronograma foi um desastre total e o número de modelos despencou, então houve alguns lugares em que, infelizmente, a qualidade foi prejudicada. No entanto, a tensão da equipe à medida que todos ficavam mais desesperados e frenéticos certamente apareceu no filme.
— Entendo.
KT – Na época em que o sistema de produção estava desmoronando completamente, havia algumas opiniões do tipo: “Se não podemos fazer um trabalho satisfatório, então qual é o sentido de continuar?” No entanto, eu não pensava assim. Minha opinião era: “Por que não mostramos a eles todo o processo, inclusive nossa falha?” Você sabe, fazer um trabalho que mostre tudo, inclusive nossa incapacidade de criar um produto satisfatório. Achei que, “daqui a uns 10 anos, se olharmos para trás e virmos algo que fizemos quando estávamos bêbados, não nos sentiríamos mal, mesmo que a qualidade não fosse tão boa”.
— Sério?
KT – Então, independentemente da forma final, acho que foi ótimo poder chegar ao fim da série de TV.
— A conclusão, por fim, tomou a forma de um filme com dois lançamentos separados, na primavera e no verão.
KT – Fiquei chocado quando descobri que o filme não seria concluído apenas com o lançamento na primavera e que nosso trabalho seria estendido até o verão. Depois de ver a reação dos fãs ao lançamento na primavera, fiquei bastante deprimido. Foi quando comecei a ter novamente aquela sensação de dúvida: “Eu sabia, era só muito trabalho desnecessário”. Foi realmente um choque.
— Você atuou como diretor desse filme “THE END OF EVANGELION”.
KT – Diretor apenas no título – o trabalho não foi diferente da produção dos episódios de TV. É por isso que sou creditado como produtor da parte do episódio 25.
— Você trabalhou no episódio final?
KT – Como diretor, não. Mas ajudei com a coloração cinematográfica no último momento.
— Qual foi a sensação de poder fazer o episódio 25?
KT – Não fiz nenhum esforço especial só porque ele seria exibido na tela grande, mas tentei abordá-lo com o mesmo sentimento que tive ao fazer a série de TV. Não queria me tornar excessivamente zeloso ou algo assim.
— Então, você conseguiu trabalhar de maneira relaxada?
KT – Eu provavelmente estava mais entusiasmado com os episódios 1 e 2. Ainda assim, foi uma tarefa tremenda.
— Houve alguma cena de que você realmente gostou ou à qual deu atenção especial?
KT – Quando o Eva-02 recebe a Lança em seu olho esquerdo. Na verdade, é muito difícil expressar sensações como a dor, mas quando assisti ao filme, achei que fizemos um bom trabalho. Não é sempre que você consegue sentir isso.
— Mudando de assunto, diz-se que o trabalho “Evangelion” reflete essencialmente as imagens mentais/paisagens do diretor Anno. Estando envolvido em um projeto como esse, houve alguma área em que você discordou da maneira de pensar ou fazer as coisas do diretor Anno?
KT – Acho que qualquer pessoa que trabalhe como diretor deve ter esses aspectos. Afinal de contas, os trabalhos que contêm essas partes são os mais interessantes. Nesse sentido, os trabalhos que são chamados de “entretenimento” não são muito divertidos para mim.
— Então, vocês estavam de acordo o tempo todo?
KT – Claro que sim. Entretanto, isso não significa que eu possa me sincronizar com os sentimentos do Shinji. Também não significa que eu possa simpatizar com os sentimentos do Shinji = Anno.
— Entendo. Então, é verdade que os sentimentos do Shinji são os sentimentos do diretor Anno?
KT – Para dizer a verdade, não tenho certeza, mas pelo menos tentei trabalhar no projeto a partir desse ponto de vista. Por isso, nas sessões de planejamento de cenários, eu sempre dizia algo como: “Isso não é um pouco heroico demais para o Shinji dizer? Hideaki Anno não é um herói tão grande assim”.
— No episódio 25, Shinji fica completamente desanimado. Isso significa que o diretor Anno também passou por isso?
KT – Acho que a tensão de Hideaki Anno após o término da série de TV provavelmente caiu para esse nível.
— Olhando para o fluxo das emoções de Shinji, sinto uma certa dissonância quando assisto ao filme “episódio 25” logo após ver o episódio 24.
KT – Isso pode ser verdade em termos de fluxo emocional. Isso se deve ao fato de que, do ponto de vista das pessoas que estão fazendo o filme, o trabalho no episódio 25′ começou quase um ano depois do episódio 24. O episódio 25 da TV está muito mais ligado emocionalmente ao episódio 24.
— Essa edição cinematográfica foi feita para combinar com o estado de espírito do diretor Anno?
KT – Acredito que sim. Houve um momento em que Hideaki Anno claramente queria tentar um desenvolvimento mais catártico. Acabou não sendo assim, mas não acho que mentimos.
— Quando você diz “mentir”, quer dizer concluir de repente com algo como “o amor salvou o mundo”?
KT – Exatamente. E não fizemos isso com esse filme. Não me sinto insatisfeito com o final. Eu realmente gosto dele.
— No final do filme, Shinji parece ter chegado a uma espécie de acordo com relação aos problemas do coração.
KT – Bem, minha opinião pessoal é: “Será que realmente precisamos complementar esses problemas do coração?” Independentemente de sermos ou não complementados, de termos problemas ou de encontrarmos nossas respostas, as relações interpessoais existem e o mundo continua. Achei que a última cena queria dizer que a vida continua, mas posso estar errado.
— No final, Evangelion era uma história sobre comunicação, pelo menos a julgar por essa última cena.
KT – Essa era a intenção desde o início da série de TV. Foi isso que tentei produzir do episódio 2 em diante.
— Sim, essa foi a cena em que Misato e Shinji conversam enquanto medem a distância um do outro no apartamento de Misato, certo? Embora eles parecessem estar se dando bem um com o outro, Shinji estava pensando: “Ela parece estar bem, mas ….”, enquanto Misato estava pensando: “Será que ele está vendo através de mim?”
KT – houve outras cenas no episódio 2 também. Por exemplo, quando Misato fala com Shinji, mas não entra em seu quarto. Mesmo no episódio 3, eles estão tendo uma conversa casual pela manhã, mas não estão se olhando. Como se estivessem olhando através de uma porta ligeiramente aberta, mas sem se conectar. O mesmo acontece entre Shinji e Rei, e entre Shinji e seu pai. Não é de se admirar que tenha havido muita comunicação distante e incômoda.
— Entendo. Então, o tema permaneceu o mesmo durante toda a série?
KT – Isso mesmo.
— O que você acha de olhar para trás e ver Evangelion agora?
KT – Bem, eu realmente gostei da atmosfera enquanto estávamos fazendo a série de TV. Uma série de TV é a única maneira de obter respostas ainda na fase de produção. Recebíamos comentários como “Eles não gostaram do episódio de hoje” ou “Uau! O episódio de hoje foi um grande sucesso!” e os refletíamos nos episódios que estávamos produzindo no momento. Nesse sentido, era como uma apresentação ao vivo. Hideaki Anno provavelmente se sentiu péssimo depois de ler essas críticas absurdas por e-mail ou de ver a série ser elogiada até a morte de forma insultuosa em revistas de subcultura. Mas isso se deve ao fato de “Evangelion” ser uma história sobre comunicação, incluindo mal-entendidos como esses.
— Agora, até mesmo homens de negócios estão debatendo os mistérios de “Eva” em bares. (risos)
KT – (risos) Por exemplo, Hideaki Anno diz que “os fãs de anime são muito introvertidos e precisam sair mais”. Além disso, ele deveria estar feliz com o fato de fãs que não são de anime estarem assistindo ao seu trabalho, certo? Mas, no final das contas, os comentários de Hideaki Anno sobre “Evangelion” + “Evangelion” são uma mensagem direcionada aos fãs de anime, incluindo ele próprio e, é claro, eu também. Em outras palavras, é inútil que os não fãs de anime o assistam. Se uma pessoa que já consegue viver e se comunicar normalmente assistir ao filme, ela não aprenderá nada.
— Mas será que todas as pessoas que estão assistindo a “Evangelion” agora não têm esse tipo de complexo de fã de anime? Será que todos não compartilham alguns sentimentos de desconforto por não conseguirem se relacionar com o mundo?
KT – Sim, talvez seja isso. As afirmações de Hideaki Anno certamente são verdadeiras quando se olha para o pequeno círculo de fãs de anime, mas se olharmos para o círculo muito mais amplo de japoneses em geral, podemos encontrar muitos dos mesmos tipos de problemas. Não são problemas específicos apenas dos fãs de anime.
— Por fim, você tem alguma mensagem para os fãs?
KT – Não fique remoendo o passado. Encontre a próxima coisa que lhe interessa.
— Isso significa não se fixar em “Evangelion”?
KT – Sim. É sempre melhor deixar algo que já terminou terminar.
Notas
- O episódio 16 “Shi ni itaru yamai, soshite (Doença até a morte). A Parte A consistia em cenas de ação relacionadas ao 12º Anjo, enquanto a Parte B mostrava as lutas mentais e emocionais de Shinji em seu universo interior depois de ficar preso dentro do Anjo. O Sr. Tsurumaki cuidou dos storyboards, da produção e da assistência de cenário para esse episódio ↩︎
- Episódio 14 “Zeele, tamashii no za (SEELE, um lugar para a alma!)”. No início da Parte B, os sentimentos íntimos de Rei são retratados por um monólogo em forma de poema. ↩︎
Fonte: Theatrical Program Book de The End of Evangelion (Red Cross Book)